sábado, 29 de novembro de 2008

Raízes do Brasil - Ségio Buarque de Holanda

O momento era pós Revolução de 30, de descrença no liberalismo tradicional, quando os ideais integralistas e socialistas estavam fortemente presentes, e em conseqüente constante divergência.Levado por tais tensões contemporâneas, Sérgio Buarque de Holanda procura, em Raízes do Brasil, não apenas compreendê-las, mas também compreender e explicar o Brasil e o brasileiro, ou seja, o modo de ser ou a estrutura social e política.

Portanto, Raízes de Brasil, além de ser seu primeiro grande livro, é também um caldeirão de idéias, onde aparecem suas preocupações quanto ao futuro do país, e os motivos históricos que impunham entraves para a modernização e democratização da sociedade brasileira.

Raízes do Brasil pode ser dividido em duas partes: a primeira trata do nosso passado colonial; da colonização portuguesa em comparação com a espanhola e do homem cordial. A segunda trata de uma sutil crítica à sociedade política da década de 30 e 40, principalmente uma crítica ao Estado Novo.
A problemática da democracia nesse ensaio passa pela análise, comum na época, da relação entre Estado e sociedade. Essa questão central é dividida em diversas outras como: a tipologia “trabalho” e “aventura”, distinguindo dois tipos de colonização: a portuguesa e a espanhola; a relação entre público e privado, através da análise da família patriarcal; a relação entre democracia e personalismo, democracia e cordialidade e, por fim, entre democracia e liberalismo
Ao fazer uma análise de “nossas raízes”, Holanda identifica a importância que a colonização portuguesa teve para a formação de nossa cultura. É lógico que tais influências não foram as únicas, cabendo ao índio e ao negro papel importantíssimo. A formação de nosso povo foi uma mistura dessas três raças. Só que os portugueses tinham características próprias, que foram responsáveis pela formação cultural e, principalmente, política no Brasil. A intenção de Sérgio Buarque de Holanda, nos primeiros capítulos de Raízes do Brasil, é descrever as características dos povos ibéricos, portugueses e espanhóis, destacando as peculiaridades de cada um.
Daí a confusão entre o público e o privado, e a invasão do Estado pela família, pois com uma sociedade apoiada neste tipo de família, a autoridade do patriarca é observada em todos os seguimentos da sociedade, passando o Estado a ser uma continuação da família: “Dessa forma, assiste-se a uma enorme impossibilidade de publicização das relações políticas e sociais, o que é, sem dúvida, o alimento que embasou a estruturação de uma sociedade que vai elevar o autoritarismo às alturas”. (REZENDE,1996, p.34)

Holanda também acredita que a miscigenação foi um fator positivo que contribuiu para a melhor adaptação do português no Brasil. O que o português vinha buscar, era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia e não riqueza que custa trabalho. Isso foi mais um motivo para o português não utilizar o trabalho manual, deixando para os escravos esse duro trabalho. Esse desamor pelo trabalho também é justificado pelo ruralismo. Aqui, implantaram-se grandes propriedades rurais com mão-de-obra escrava, assim, não dependiam de trabalho para fazer movimentar o sistema. Todos queriam extrair do solo excessivos benefícios sem grandes sacrifícios. O desamor pelo trabalho, pelo esforço ordenado e sistemático, é fundamental para a compreensão de Raízes do Brasil.

Ainda hoje nossa sociedade valoriza o trabalho intelectual em detrimento do manual, hoje ainda existe a crença de que somente os intelectuais e detentores de diploma acadêmico devem ocupar os postos do poder. Educadores muitas vezes utilizam desse discurso para legitimar seu trabalho “quem não estuda não ascende socialmente”, embora a própria prática prove que muitos conseguem sucesso e prestígio social, mesmo sem estudos ou diplomas.
Cordial, segundo Holanda, é que vem do coração; isso pode ser o amor ou o ódio, o sentimento de perdão ou a vingança, a concórdia ou a discórdia: “A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma ou outra nascem do coração” (p.88). Holanda define, assim, esse conceito: "homem cordial - lhaneza no trato, hospitalidade, generosidade" (p.141).

Em nome dessa cordialidade política temos tantos problemas como nepotismo popi política e vida privada são uma coisa só.

A nossa aristocracia rural e semifeudal, segundo Holanda, incorporou tais ensinamentos para prevalecer seus privilégios e direitos, os mesmos privilégios combatidos pelos burgueses no Velho Mundo. A fermentação liberal que procedeu à proclamação da Independência constitui obra de minorias exaltadas, e sua repercussão foi bem limitada ao povo. Tais minorias:
“Ainda quando se punham a legiferar ou a cuidar de organização e coisas práticas, os nossos homens de idéias eram, em geral, puros homens de palavras e livros; não sabiam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações. Tudo assim conspirava para a fabricação de uma realidade artificiosa e livresca, onde nossa vida verdadeira morria asfixiada”. (p.163)

Os políticos e demagogos chamam a atenção freqüentemente para as plataformas, programas, instituições, como as únicas realidades verdadeiramente dignas de respeito. Acreditam que, da sabedoria e da coerência das leis, depende diretamente a perfeição dos povos e dos governos. Pretende-se compassar os acontecimentos segundo sistemas, leis ou regulamentos de virtude provada, em acreditar que a letra morta pode influir por si só e de modo enérgico sobre o destino dos povos. E com temos leis que não saem do papel!

Mas o que ele faz de fato é um diagnóstico das elites contra as quais assenta sua mira. Todas as características relacionadas por Holanda são de nossas elites, que ele julgava responsável pelo nosso atraso político e econômico. Em seguida, ele aponta para a substituição dessas elites, atrasadas, anacrônicas, pelo povo, que será o protagonista da modernidade e da consolidação da democracia, visão esta compartilhada com a corrente modernista.

A intenção de Raízes do Brasil não é dar soluções jurídico-institucionais para nossos problemas, é, antes, encontrar no nosso passado uma forma de comportamento político que propiciou o lamentável mal-entendido de nossa democracia. Esse comportamento político tem origem cultural e histórica, portanto, passível de mudanças. São essas mudanças que ele observa a partir de 1888, mas ainda não plenamente desenvolvidas, daí a crença em uma “revolução vertical” que altere toda a estrutura social.
. Na sua noção de democracia, não há desprezo pelo papel das instituições sociais e, sim, uma relação de complementaridade entre as bases políticas e as bases culturais. A partir de uma mudança no nosso comportamento político é que poderemos falar em uma revolução das instituições sociais e parlamentares, a qual preparará o terreno para a realização de uma democracia plena

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